Aquele homem triste e cabisbaixo estava sempre caminhando na contramão.
Quando a maioria das pessoas apagava a luz para dormir, ele levantava-se.
Antes de caminhar, sentava-se em um banco do jardim e sempre encontrava um tempo para admirar a lua que já se desenhava no manto noturno.
Quando não surgia, entregava-se à carícia das estrelas.
Quando todos se levantavam, esse homem triste fechava sua janela e seus olhos e dormia quase que de imediato.
De certa forma esse estar só provocava-lhe cálido conforto.
Embora sentisse que o pensamento que o pegava de sobressalto era incoerente com a disciplina que havia aprendido com seus pais, estar ausente de tantas trivialidades, banalidades mesmo, trazia-lhe certo fortalecimento interior, provando-lhe a vida que o curso do tempo não dependia de promessas monótonas que, de tão repetitivas, tornavam-se insignificantes.
Talvez, por isso, sentisse tanto desânimo e tristeza na maioria das pessoas.
Também sentia uma vergonha acentuada na sombra de seus olhos, por ser obrigado a situações que não escolhera.
Talvez, por isso, quisesse ficar em silêncio consigo mesmo.
Quantos não sentiam o frescor da noite acariciando seus pensamentos, por mais doloridos que fossem…
Quantos conseguiam perceber que ser amado por tantos às vezes torna-se tão pesado quanto arrastar pedras.
Quantos não sentiam a si mesmos…
Quantos de tantos, indagava-se.
Quando esse homem triste dormia, o que perdia de mais importante que a presença da natureza em sua vida? Nada, mesmo que os outros estivessem trabalhando, produzindo.
Isso ele também fazia no decorrer da noite, além de encontrar-se com as surpresas da madrugada no seu caminhar.
Estar na contramão traz sempre descobertas, desafios, reflexões, palavras que muitos não são capazes de dizer; é conseguir enxergar e não apenas ver.
Estar na contramão é muito bom; só assim posso ser íntegro comigo mesmo, pensava ele, aconchegando-se às cobertas, antes de cerrar as janelas e os olhos.
E dormir sonos sem sonhos.
Apenas dormir.
Só não entendia o porquê de, no meio dessa contagiante satisfação interior, ainda se sentir triste…
“…ainda se sentir triste” penso que é justamente por se sentir sozinho, por se perguntar, por não compreender o porquê a grande maioria prefere o caminho mais fácil …que não leva a nada.