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Archive for 25 de março de 2010

Devaneio

  

 

 Esta noite sonhei com meu irmão, o irmão que arrumou suas malas lenta e dolorosamente e foi morar em outra dimensão.

Mas hoje não quero falar dessa dor; quero falar do sorriso que ele desenhou em meu rosto durante esta noite, desenhista que era a dominar os traços, as nuances, a sombra e a luz, o pulsar da vida em uma pintura, sem nunca perder sua postura de príncipe diante das tolices dos irmãos ou mesmo diante do irremediável por vir.

Lembrei-me então de uma carta que ele me escreveu quando ainda morava no Rio, quando a vida ainda lhe parecia um mar revolto, inconstante ao mesmo tempo que surpreendente; pensando melhor, acho que sempre foi assim…

Assim, ainda com esse sorriso no rosto que ele desenhou suavemente durante toda a noite e com  o coração cheio e tão apertado de saudade, deixo aqui um fragmento dessa carta, onde apenas acrescentei o título acima.

  

“Nesta manhã calma, quando me sento à mesa de desenho e espalho os papéis brancos, vejo todos os matizes do branco.

Embaralho tudo novamente, fazendo um jogo silencioso, descobrindo as idéias que também se espalham na minha cabeça.

Hoje percebi que são muitas e é preciso saber, ter consciência disso.

O traço vai dançando por entre o papel, devagar, impreciso e meus olhos muitas vezes se esquecem de olhar para dentro e ver meu mosaico.

São tantas as pedrinhas e tantas as cores, que me perco.

Fujo de uma emoção forte que sei que me espera.

É a coragem de abrir a porta e tomar a ventania.

É a emoção que me toma todo e que sei que procuro esse escancaramento.

É como um enorme espelho onde me vejo de corpo inteiro.

Senti coisa parecida quando me vi no vídeo e pensei que ainda há muito a fazer.

Meus olhos fogem do papel e buscam ver o que meu traço se esforça em desenhar.

E vejo prédios em construção.

Ruídos de rua.

Da cidade.

E apago as luzes do céu, desse sol embaçado e me vejo nas ruas da madrugada.

Vagabundo e amante do mundo.

Vejo-me perdido.

Só.

Buscando o sabor da aventura que um dia tive e que hoje se repete.

E caminho, caminho, meu desenho não acaba.

Pego os lápis de cor e mancho os papéis.

Verde azulado.

Ultramar.

E me entrego aos pensamentos.”

 João Rodrigues Nepomuceno Filho

1980

 

 

 

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