Quando completei meus seis anos, papai achou que eu já estava preparada para fazer a 1ª Comunhão. É para o quanto antes meus filhos ficarem sob as graças de Deus, dizia ele.
Assim comecei a frequentar aulas de catecismo junto às freiras e ao padre confessor, no colégio onde eu e minhas irmãs estudávamos.
Um dia, voltando para casa pelas mãos de minha mãe, entrei quintal a dentro correndo atrás de uma borboleta azul clarinha! “brabuleta”, como meu pai e eu, mesmo depois de adultos, dizíamos brincando.
Muitos anos depois, mamãe me contou que, quando viu aquela cena, teve o pensamento de que “essa menina ainda está no tempo de correr atrás de borboletas… assim que deve ser!”
Quando perdi a borboleta de vista, lembrei-me de contar a meu pai o que havia aprendido na aula daquele dia… estava em conflito interior… confessar pecados! O que tanto as meninas demoravam no confessionário contando ao padre? Pecados? Que pecados?!? E o meu maior pecado naquele dia foi inventar pecados, para poder ficar um tempo ajoelhada no confessionário…
Procurei-o pela casa e, encontrando-o na sala a conversar com meu avô, parei de repente atrás da porta e fiquei escutando… conversavam sobre Deus!
Um avô que quase se ordenou (não fosse a professora de português, minha avó, aparecer em seu caminho), com conhecimentos profundos e além do usual da maioria e, por isso, de grande sabedoria (meu mentor espiritual na Terra) e um pai de fé inabalável, católico, estudioso fervoroso de São Tomás de Aquino, Santo Agostinho e Francisco de Assis.
Ali estavam trocando experiências sobre o amor e o temor a Deus.
Fiquei ouvindo até onde minha paciência permitiu; entrei na sala já meio alterada (!) e colocando-me diante de meu pai, com as mãos na cintura, disse a ele “eu não tenho medo de Deus!”
Meu pai, mudo e assustado, literalmente de boca aberta, olhou-me com olhos de assombro.
Meu avô, fumando seu cigarro, esboçou-me um breve e leve sorriso.
“Mas, minha filha! Devemos amar e temer a Deus acima de todas as coisas!”
Eu já conhecia essa frase de tanto ouvi-la no colégio, mas ouvi-la pela boca e do coração de meu pai, me fez pensar, mas logo responder…”Papai, como ter medo e amar, tudo ao mesmo tempo? O senhor não me ama?” – ao que ele respondeu afirmativamente – “então como posso ter medo do senhor, senão amor? É a mesma coisa com Deus: se Ele me ama e quer somente o meu bem, para quê vou sentir medo Dele?”
Meu pai trocou um olhar rápido com meu avô, que permanecia calado diante do meu argumento.
Ficou preocupado, foi falar com minha mãe que, por certo confirmou seu pensamento de que eu deveria, por enquanto, ficar simplesmente correndo atrás de borboletas.
Depois foi falar com as freiras, adiando essa minha iniciação para mais à frente, “quem sabe quando minha filha tiver uma ideia mais plena de Deus.”
Hoje, sentada em frente deste presépio que faço questão de tê-lo vivo e revivificado todos os anos, vendo essa Criança linda, balançando seus pezinhos no ar, quem sabe dando seus gritinhos, sorrindo ou mesmo rindo de forma cristalina como uma melodia; vendo tanta pureza e sublimidade, sentindo-a pulsar no meu coração… como temer a Deus, o Criador de todas as coisas e de todas as criaturas?
Simplesmente eu O amo porque assim é que eu sempre o senti!
Essa Criança interior que brinca com a minha criança também interior, que corre pelos jardins da minha infância atrás de borboletas e girassóis e passarinhos, que canta e adormece, mas nunca morre, porque é a razão do meu existir!
Observando os Reis Magos doando seus mais preciosos sentimentos em forma de reverencia e oferendas, percebo mais uma vez que não temer não significa não respeitar, porque no Amor todos os verdadeiros sentimentos estão implícitos, além da certeza que trago sempre de que a Criança linda, etérea e pura é a fagulha de Luz que me habita!
Pai querido, lembro-me profundamente da minha 1ª Comunhão e, no entanto, continuo cuidando daquela menina de seis anos que talvez deva confessar pecados… mas que pecados?
A única diferença é que, por falta de borboletas naturais, agora tão raras, corro atrás delas nos meus sonhos e isso ainda me basta.
Queridos Leitores, Amigos queridos!
Hoje faz dez anos da existência deste blog que, por muitas vezes, nesse ano que passou, releguei a um segundo plano por motivos diversos e isso dói em minha alma porque o dom de escrever é uma das dádivas mais caras e mais raras com que Deus me presenteou e, assim, mesmo escrevendo quase todos os dias, não posso negligenciar com a arte de compartilhar com vocês meus sentimentos, meu respirar, meu existir.
Que eu tenha a graça, sempre, de poder tocar seus corações com esse meu outro mundo, habitado por escolhas que faço, onde o Amor é a seiva dos meus sonhos.
Feliz 2020!